Eu tive algumas fases muito lúcidas na minha vida. As coisas faziam sentido, eu quase não tinha surtos descontrolados e minha memória funcionava.
As coisas faziam sentido mesmo quando a cabeça fervia. Agora não, agora nada faz sentido.
Minha vida está parecendo uma mistura de vinho com rohypnol, uma coisa surreal e meio chapada, boa-noite Cinderela durando mais de um semestre.
As coisas sem fazer sentido, mas com algum sentido... Olha aí. Tá vendo?
Nada faz sentido. Eu faço tudo errado.
O amor filho-da-puta continua no meu pé, os sentimentos todos correndo e gritando com as mãos na cabeça no meio do terremoto. Eu enterro, enterro tudo, boto um monte de pedras cima e eles voltam do mal. Que nem no Cemitério Maldito. Raiva, rancor, inveja. E costumava ser amor. Ou ainda é, o meu amor sempre foi torto.
Amo a contragosto, amo demais, com força e desespero, misturando um monte de outros sentimentos, mas a porra do amor está ali, impávido, olhando na minha cara e deixando bem claro que nunca vai embora. Ele é ele e fim. Posso espernear e gritar, mas eu sei, ele sabe, todos sabem. E é isso aí. Não existe discussão possível.
A vida também não colabora muito. Depois o doutor lá fica mudando todas as minhas químicas e dando muitos diagnósticos que eu acredito estarem certos, mas doutor, o senhor entende as coisas que acontecem? Eu vou explicar, doutor.
A química dos outros também atrapalha bastante a minha tão sonhada sanidade.
Um dia eu amei um menino.
Outro menino, um que não amo mais. Na época em que eu era uma romântica que acreditava em amores perfeitos, noites líricas, inspiração febril, eu amei muito esse menino. E ele foi embora. E nem avisou.
Eu tinha dado um pedaço meu para ele, ele nem tinha pedido, mas sei lá, ele pegou, botou no bolso do casaco, então eu achei que queria. Mas não. Ele devolveu sem olhar na minha cara e se foi.
E agora ele voltou. Achando que está tudo normal. Três anos se passaram, ele agora tem trinta, "eu tenho trinta anos", como se isso mudasse tudo. Aparentemente mudou mesmo, ele até parece uma pessoa meio sã agora, mas, ei, e aquilo tudo lá que aconteceu? Meu jovem, eu sei que boa parte não passava de um grande delírio da minha mente solitária e doentia numa cidade hostil, mas porra. E não contente em voltar, ele ainda chega falando que eu estava certa. Eu, certa. Ele simplesmente deu razão à fúria uterina de uma mulher louca de coração partido. Logo depois remendaram o coração, mas descosturou de novo.
Foda isso de costurarem o coração da gente com linha vagabunda.
Mas esse menino, esse menino eu amei com tanta força que gastou, e agora sobrou um sentimento plácido, domingo à tarde no sol do inverno. Antes não. Antes ele fez uma bagunça.
Esses homens não sabem o que fazem com a minha vida. Bom, eu também não sei. Agora eu deixo a vida debaixo da cama enquanto ainda não sei o que fazer com ela.
Na mão deles é que eu não coloco mais.
Agora que eu aprendi a não botar a vida na mão dos outros, os outros têm feito isso comigo. Jogando o peso de ser alguma certeza, o peso da felicidade e da sanidade na minha mão, na minha mão! E eu dizendo sai, sai, nem vem, mas não, eu acabo pegando por reflexo.
Eu tenho pólen de louco no meu suor, nas minhas secreções. Eles todos vêm correndo já com a língua para fora. E eu gosto.
E eu deixo, e depois tenho que lidar com o depois.
E o depois sou eu no meio da demência.
Tenho todos, não tenho nenhum, só quero um. O resto é desculpa.
Não tenho todos, só quero um.
Um, dois, três. Um eu amo, o outro eu amei.
Um outro eu gostaria de amar.
Só tenho um. Só quero um. Quero a conta, por favor.
E ainda tem o resto, a vida não se resume a isso.
Às vezes eu esqueço. Tem aluguel, telefone, filho, show, disco, livro, entrevista, debate e todo o resto do mundo formando opiniões.
Tem eu sentada aqui no computador depois de ter carbonizado uma panela de feijão, os gatos afiando as unhas no sofá, as roupas no cesto, os cheques pendurados, as dívidas, meu deus, as dívidas.
Os fusíveis da minha casa queimando, os da minha cabeça fritando e o mundo girando.
Esse negócio de parar o mundo que eu quero descer nunca me convenceu. O mundo que continue girando, se quiser. Agora o melhor que posso fazer é girar em torno de mim mesma como um animal lesado tentando morder o próprio rabo. Não contente em tentar, eu consigo. E fico tonta de tanto girar, e caio exausta com meu próprio sangue escorrendo da boca. Então chega. Doutor, traga as gotinhas nos copinhos. Eu desisto. A gente se vê no próximo round.
Clarah Averbuck
15 de outubro de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
É...cada vez mais me convenço que o amor acende e arde, deixa e volta, bate, esfola joga...acalanta, acaricia sempre igual...em todos os romances toma formas de paixão ou de raiva é vivo fúlgas.O amor é igual para todos estou chegando a essa conclusão Sr. SoUto...Acontece apenas que as pessoas não são iguais almejam a mesma coisa cada qual a sua maneira mas, precisam se adequar as situações e a sua própria solidão e isso que é F...!
*Será q tem comunidade eu amo a Clarah?
Beijo
Postar um comentário